Populismo<br>– perigos e resposta

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política)

É na di­mensão dos pro­blemas eco­nó­micos e so­ciais que atingem o País, in­se­pa­rá­veis que são de dé­cadas de po­lí­tica de di­reita e da pró­pria na­tu­reza e crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo, que en­con­tramos o ter­reno fértil para o de­sen­vol­vi­mento de ideias, con­cep­ções e prá­ticas po­pu­listas. Po­pu­lismo que não é mais do que o exer­cício que as pró­prias classes do­mi­nantes fazem para ca­na­lizar, em função dos seus pró­prios in­te­resses, o des­con­ten­ta­mento e a re­volta que o agra­va­mento da ex­plo­ração pro­voca.

O com­bate ao po­pu­lismo é por isso parte in­te­grante da luta ide­o­ló­gica que tra­vamos

O grande ca­pital, uti­li­zando os po­de­rosos ins­tru­mentos de que dispõe – onde se in­cluem os ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante – de­sen­volve, por di­versos meios, um amplo ar­senal ide­o­ló­gico que pro­cura tirar par­tido do de­sem­prego, dos baixos sa­lá­rios, da de­gra­dação das con­di­ções de vida, das in­jus­tiças so­ciais, da cor­rupção, da in­se­gu­rança, da guerra, das con­tra­di­ções ge­radas pelo pró­prio sis­tema ca­pi­ta­lista, para não só di­fi­cultar a com­pre­ensão pelas massas sobre a na­tu­reza ex­plo­ra­dora, opres­sora, agres­siva e de­su­mana do ca­pi­ta­lismo, mas também para ca­na­lizar esse mesmo des­con­ten­ta­mento para po­si­ções que, em úl­tima aná­lise, são de apoio à ma­nu­tenção dos me­ca­nismos de ex­plo­ração exis­tentes.

Su­bor­di­nado ao poder eco­nó­mico, o poder po­lí­tico segue-lhe as di­rec­trizes no plano ide­o­ló­gico, com as forças po­lí­ticas que não as­sumem o ob­jec­tivo da rup­tura com o sis­tema ca­pi­ta­lista a serem pro­ta­go­nistas (em graus di­fe­rentes) desta abor­dagem, tra­zendo para o de­bate e in­ter­venção po­lí­ticas ele­mentos que apelam aos sen­ti­mentos mais re­ac­ci­o­ná­rios e pri­má­rios que pre­va­lecem na so­ci­e­dade. São esses os ventos que so­pram hoje numa União Eu­ro­peia mer­gu­lhada numa pro­funda crise, com a pro­moção e cres­ci­mento de forças de ex­trema-di­reita e mesmo fas­cistas. E são esses ventos que, tendo ex­pressão e con­teúdos di­fe­rentes, vão so­prando também no nosso País.

As cam­pa­nhas em torno dos pro­blemas da cri­mi­na­li­dade ou contra o «ren­di­mento mí­nimo» en­sai­adas pelo CDS-PP, as can­di­da­turas à Pre­si­dência da Re­pú­blica de José Ma­nuel Co­elho, Fer­nando Nobre ou de Ma­rinho e Pinto as­sentes no dis­curso «anti-par­tidos», o re­gisto que ao longo de dé­cadas tem sido im­posto pelas mai­o­rias PSD no Go­verno Re­gi­onal da Ma­deira, a forma com que fre­quen­te­mente ou­tras forças po­lí­ticas tratam as­suntos na As­sem­bleia da Re­pú­blica indo ao en­contro dos cri­té­rios sen­sa­ci­o­na­listas que do­minam a co­mu­ni­cação so­cial, são ex­pres­sões desta re­a­li­dade no nosso País. Tudo isto num cal­deirão me­diá­tico onde o dis­curso anti-par­tidos se vai ge­ne­ra­li­zando, be­ne­fi­ci­ando da ex­plo­ração de casos con­cretos de cor­rupção, de crimes ou de pro­mis­cui­dade entre o poder po­lí­tico e o poder eco­nó­mico, ao mesmo tempo que se vai pro­mo­vendo teses e con­cep­ções sobre di­versos as­suntos da vida na­ci­onal – in­cên­dios, re­fu­gi­ados, se­gu­rança das po­pu­la­ções , etc. – que no es­sen­cial apontam para a quebra de re­la­ções de so­li­da­ri­e­dade de classe, para a de­sis­tência e con­for­mismo, para o au­mento e acei­tação do ca­rácter re­pres­sivo do Es­tado sobre as classes e ca­madas an­ti­mo­no­po­listas. Ex­pressão das ideias do­mi­nantes que são pro­jec­tadas a partir dos media, é também a re­a­li­dade que se vi­vencia nas cha­madas redes so­ciais que, pelas suas ca­rac­te­rís­ticas, são sus­cep­tí­veis de apa­nhar muita gente des­pre­ve­nida face a estas teses e con­cep­ções.

Na úl­tima se­mana as­sis­timos a mais uma ope­ração que se in­sere neste tipo de abor­dagem, como foi a da di­vul­gação de uma «lista» com «as re­formas dos ex-po­lí­ticos». Sem estar aqui a per­correr todo o his­to­rial de in­ter­venção do PCP contra a exis­tência deste pri­vi­légio, nem a de­sen­volver os cri­té­rios com que os mem­bros do Par­tido tratam esta questão, as­sentes no prin­cípio de não se ser nem be­ne­fi­ciado nem pre­ju­di­cado pelo exer­cício de cargos pú­blicos, o facto é que, em regra, este tipo de ope­ra­ções me­diá­ticas pro­vocam um sem nú­mero de in­com­pre­en­sões e dú­vidas, ten­dentes a meter tudo no mesmo saco, isto é: aqueles que apro­varam este tipo de pri­vi­lé­gios e aqueles que, de forma co­e­rente, os com­ba­teram e com­batem. Assim, ex­plo­rando as­pectos que nor­mal­mente têm um fundo de ver­dade, toda a abor­dagem que pro­curam fazer não passa sem o re­curso à men­tira e à fal­si­fi­cação da re­a­li­dade, ar­ras­tando as massas para um ter­reno onde as grandes con­tra­di­ções de classe estão au­sentes e tudo se re­sume à di­visão entre a «elite po­lí­tica» e o povo.

O papel do Par­tido face a estes pro­cessos tem que estar em linha com os nossos prin­cí­pios e ob­jec­tivos. Por mai­ores que sejam as pres­sões e, até em al­guns casos, por mai­ores que fossem os pro­veitos ime­di­atos que tal ou tal po­si­ci­o­na­mento pu­desse dar ao PCP, para um Par­tido como o nosso seria trá­gico ceder neste ter­reno. Mais tarde ou mais cedo, pagar-se-ia uma pe­sada fac­tura. O com­bate ao po­pu­lismo é por isso parte in­te­grante da luta ide­o­ló­gica que tra­vamos. As­se­gurar a in­de­pen­dência po­lí­tica e ide­o­ló­gica do Par­tido, de­cidir em con­for­mi­dade com os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e do povo, falar ver­dade e con­tri­buir para o es­cla­re­ci­mento e ele­vação da cons­ci­ência das massas é a única res­posta que um par­tido re­vo­lu­ci­o­nário pode dar e é essa res­posta que o PCP dá.




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